A história da escravidão no Ceará e o pioneirismo de Redenção em
libertar os escravos são lembrados no Museu Senzala do Negro Liberto
Rita Célia Faheina - Enviada a Redenção
Era 1º de
janeiro de 1883. Naquele dia chegavam à então Vila Acarape,
abolicionistas como Liberato Barroso, Antônio Tibúrcio, Justiniano de
Serpa, José do Patrocínio, João Cordeiro para assistir à alforria de 116
escravos do lugarejo. A partir daquele ato, em frente à igreja matriz
da localidade, não haveria mais escravos ali e a vila ganhou o nome de
Redenção, pioneira em dar fim à escravidão no País. A história é contada
para os visitantes do Museu Senzala do Negro Liberto, que fica no sítio
Livramento, em Redenção, a 60 quilômetros de Fortaleza. Na área,
encontram-se a original casa grande dos senhores do engenho, a senzala, o
canavial e o antigo maquinário de fabricar a cachaça Douradinha.
Três
guias de turismo e dois voluntários acompanham os visitantes. Neste
período de alta estação, visitam o local até cerca de 500 pessoas por
semana. A partir do início das aulas, são as escolas que marcam a visita
dos estudantes. ''Tem semana que chegam de oito a nove ônibus e, no
período letivo, são os tours pedagógicos'', completa a diretora do
museu, Valéria Muniz. Ela morou durante 15 anos no Sítio Livramento e
decidiu há um ano investir no museu e na manutenção da área histórica. O
casarão foi construído no século XVIII. ''Esta é a senzala, local de
descanso e de castigo dos escravos. Aqui eles eram chicoteados e, como
eram muito altos - tinham cerca de 1,80 metro -, precisavam ficar
deitados. Quanto mais rebeldes, mais no fundo ficavam'', explica o guia
turístico Paulo Henrique Silva Soares, mostrando um cômodo úmido, mas
parecido com um túnel, de teto baixo, com uma única e estreita entrada
de ar com grades. No cubículo escuro, segundo o guia, eram colocados
cerca de dez escravos que, quando desobedeciam ou se tornavam rebeldes,
eram chicoteados e torturados psicologicamente.
Nos
pequenos e escuros cubículos da senzala viviam cerca de 100 escravos.
Eles eram obrigados a entrar ali às 18 horas e sair às 6 horas. Dormiam
no chão, em cima de esteiras de palha. Em cada cômodo, encontram-se os
instrumentos de tortura, como as correntes, algemas e gargalheiras.
Essas últimas serviam para prender o escravo na parede pelo pescoço.
Tinha até para criança e adolescente. ''Eles passavam menos tempo no
castigo, mas era como se fosse para mostrar-lhes o que passariam quando
fossem adultos'', acrescenta o guia.
Até
barulho, conversas eram motivos para eles serem castigados. Muitos
ficavam à noite presos em algemas nas paredes, de braços para cima. Na
senzala, também foi conservado o tronco onde os negros ficavam
imobilizados e apanhavam com chicotes que tinham lâminas de ferro.
''Quando algum tentava fugir, ficava no tronco durante nove noites,
quando era chicoteado e depois recebia um banho de água e sal'', diz
Paulo Henrique. Ainda na senzala, ele abre uma porta de ferro, sem
qualquer abertura, e mostra o quarto escuro onde ''os escravos
rebeldes'' ficavam. Mal consegue comportar uma pessoa adulta.
Outro
tipo de castigo eram as algemas usadas pelo feitor (administrador da
fazenda) para prender os escravos na parede. Eles ficavam de braços para
cima, e muitos com os pés sem encostar no chão. ''Tinham muita
dificuldade para respirar nessa posição'', completa o guia turístico. A
passagem interna da senzala para a casa grande era por dentro do
banheiro do senhor do engenho. Era uma porta forte e estreita e paredes
muito largas para que os escravos não invadissem o casarão. Na sala da
mucama - escrava jovem que era escolhida para auxiliar nos serviços
caseiros -, tinha um janelão onde o senhor do engenho apontava a
escolhida e uma porta por onde as preferidas entravam para a casa
grande.
Visita inclui canavial, casarão e casa do feitor
A visita
pelo Museu Senzala do Negro Liberto inclui a casa do feitor, bem mais
confortável do que a senzala, e o canavial - 525 hectares de
cana-de-açúcar -, onde foram encontradas ossadas humanas. O local foi
cercado e denominado de Cemitério Repouso da Liberdade. O visitante
conhece ainda o rio Pacoti, responsável pelo povoamento da cidade. Às
margens habitavam os índios Tapuio. Há ainda a lojinha de artesanato da
região, o atual engenho, em funcionamento na época da safra da
cana-de-açúcar, de julho a janeiro, e o casarão que conserva móveis
centenários.
Segundo
Valéria Muniz, para fundar o museu - o sítio pertence ao cunhado,
Hipólito Rodrigues de Paula Filho -, ela contou com a ajuda do
historiador Domingos Linheiro e do museólogo André Scalavan. Há mais de
um ano, trabalhou no projeto e resgate da história, e há 10 meses, o
museu foi aberto ao público. Ela agora espera que o sítio Livramento
seja tombado pelo patrimônio estadual. Na área, Valéria pretende criar
uma central de artesanato para gerar emprego e renda para as famílias de
Redenção. Ela também quer colocar na entrada um recanto para que os
turistas possam se deliciar com tapiocas feitas na hora.
De
acordo com Hipólito Filho, a cachaça Douradinha, fabricada no sítio
Livramento, está sendo exportada para a Alemanha, Itália e Áustria. São
produzidos 15 mil litros de cachaça por dia. ''No Ceará, em quase todo
município tem a Douradinha no comércio'', completa. Ele também fabrica a
cachaça Cearense.
Nas
salas do casarão são conservados objetos doados ou dos antigos donos. Um
deles é uma peça do século passado que servia para engarrafar a cachaça
e colocar a tampa de cortiça. Outras peças históricas são um pilão de
pedra e um tabuleiro cristalino pertencente à família de Juvenal de
Carvalho, um dos donos do casarão, que era usado para descascar e
triturar arroz, milho e café. Existem ainda uma coleção de cédulas
antigas da época da abolição e documento de compra e venda de escravos.
Da França para Redenção
Turistas
estrangeiros interessados na História do Brasil fazem questão de
conhecer o Museu Senzala do Negro Liberto. É o caso dos estudantes
François Clabaut e Virginie Larde. Os dois moram em Boulogne, no sul da
França, e estão em Fortaleza passando férias. François cursa Educação
Física e Virginie faz curso de Inglês, mas o casal ficou interessado em
conhecer museus cearenses e os principais acontecimentos do Estado. ''É
bem interessante saber da época da escravidão no Brasil e como os negros
foram libertos. É um outro aspecto do País que fico conhecendo'',
observa François. Virginie disse que já conhecia alguns fatos históricos
brasileiros, inclusive da época da escravatura, mas ficou impressionada
em ver os locais onde os negros eram torturados.
Rosal da Liberdade
Na subida
do Maciço de Baturité, Redenção é a primeira cidade, indo pela rodovia
CE-060. O trajeto de 60 quilômetros, a partir de Fortaleza, é de cerca
de uma hora. Logo na entrada da cidade tem o Monumento da Negra Nua, que
marca a libertação dos escravos. Ao lado fica a Fazenda Livramento da
Douradinha.
O nome
Redenção é para lembrar que a cidade serviu de exemplo como primeiro
município brasileiro a libertar os escravos antes da Princesa Isabel
assinar a Lei Áurea, que determinava o fim da escravidão no País.
Redenção nasceu com o nome de Acarape. Atualmente os dois são municípios
vizinhos.
Também
conhecida como ''Rosal da Liberdade'', Redenção tem uma população de
cerca de 25 mil habitantes e a padroeira é Nossa Senhora da Conceição. A
cidade foi criada em 1868, sendo instalada em 21 de julho de 1871. O
acesso pode ser feito também pela BR-116 ou pela CE-354.
Além da
Fazenda Livramento, guardam recordações do período colonial o Sítio
Guassi e a Fazenda Gurguri. Encontram-se intocados mobiliários da época,
casas com paredes de meio metro de largura, capela, troncos de amarrar
escravos e engenhos de cana-de-açúcar.
Fonte: http://www.prt7.mpt.gov.br/mpt_na_midia/2005/fevereiro/14_02_05_POVO_historia_escravidao_museu.htm
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